domingo, 13 de março de 2011

Expedição de salvamento da Brycon vermelha em Carlos Chagas/MG

Pesquisadores do CEPTA travam batalha para salvar peixes ameaçados. (Expedição realizada em Novembro/2009 nos Rios Mucuri e Pampam para capturar exemplares da Brycon vermelha, espécie endêmica destes dois rios, que foi identificada apenas no ano 2000, mas que já se encontra em risco de extinção).

Desta vez o endereço da expedição são as montanhas de Minas Gerais, em Carlos Chagas, na divisa do Estado com a Bahia. O Terra da Gente acompanha a equipe do CEPTA nos rios Pam Pam e Mucuri. A estrela mineira é a Brycon vermelha, uma espécie da família das piracanjubas e piabanhas. 
Vale tudo para protegê-la, já que a espécie está ameaçada de extinção no Vale do Mucuri. Todas as técnicas de pesca são utilizadas para garantir o sucesso da missão na busca pelo peixe. Durante a viagem, os pesquisadores constatam a degradação e novas ameaças ao meio ambiente. E as evidências só confirmam a necessidade da criação de um banco genético para a preservação da espécie. Tarefa cumprida. Todos os exemplares estão protegidos e passam por estudos genéticos na sede do CEPTA, em Pirassununga, no interior de São Paulo, uma garantia de que a Brycon vermelha não deixará de existir.
Laboratório móvel 
As estradas e curvas das Minas Gerais nos levam rumo ao Norte do Estado. Seguimos para o município de Carlos Chagas, próximo à divisa com a Bahia. Uma região montanhosa conhecida por Vale do Mucuri.
Quando voltamos o olhar para a pista, logo a terra e a poeira tomam o lugar do asfalto. Dezesseis horas de viagem até uma sede desativada de fazenda. Aqui vamos ficar com a equipe do CEPTA, que já montou um acampamento. A base improvisada tem estrutura completa e ganha até laboratório. Durante oito dias esta será a nossa casa.
A equipe dividirá o espaço com o belo e topetudo cardeal-do-nordeste. Também nos encontraremos várias vezes com um corrupião, que nos recebe logo na chegada. Nas alturas, quem voa imponente é o urubu-rei, o maior, mais colorido e mais forte de todos os urubus. Sempre atento à chegada dos visitantes e de olho na movimentação.
A vermelha 
Pedimos licença aos donos do território para trabalhar. Estamos às margens do rio Pam Pam. O alvo é a Brycon vermelha, parente de peixes como a piracanjuba, piraputanga e matrinxã. A Vermelha, como é chamada, é uma espécie nova para o meio científico. “Foi praticamente identificada em 2000. Comparando com outras espécies é muito recente a descoberta dela. Conhece-se muito pouco sobre ela. Nesse trabalho a gente está levantando informações sobre comportamento e sobre a preferência dela do ambiente”, explica Paulo Ceccarelli.
Da outra margem do rio vem uma valiosa ajuda, de quem conhece os segredos de Minas. É o fazendeiro Leonardo Juliano de Oliveira e a escolta dele, feita pelos fiéis seguranças “duque” e “chulin”. Quase vinte anos de experiência na pesca e Juliano garante que capturar as vermelhas será uma tarefa das mais difíceis. “Para pegar a vermelha você tem que arrastar a barriga no chão, para encostar no poço. Qualquer sinal de gente e ela não vem mais na linha. (...) Mas sempre a gente vê a maior que dá sinal para as outras e forma o cardume. Mais de 10 quilos já consegui pegar, mas não tirar. Ela está lá, mas não vem no anzol, ficou grande porque é esperta. As bobas morrem logo”, conta Seu Leonardo.
Pescaria em prol da ciência
A pesca de rodada, com o barco acompanhando a correnteza, é a primeira das estratégias. Temos que nos locomover a remo, pelo peixe ser muito arisco. Isca artificial e centenas de arremessos. Na descida, aprendemos um pouco sobre a espécie. “O ponto principal é que ela é endêmica. Só existe na bacia do Mucuri e do São Mateus. Não existe em outro local e é um peixe muito bonito, exuberante, grande e que tem uma representação na culinária regional”, explica-nos o analista ambiental, Osmar Ângelo Cantelmo.
A ameaça de extinção é o que nos faz seguir tentando para encontrar a Vermelha. A noite que chega é de pouco descanso. O novo dia é de mais tentativas. Desta vez, à pé. São seis horas da manhã e recebemos a sugestão de tentarmos na cachoeira, um ponto estratégico que sempre atrai os peixes. Outra manhã inteira e nada de fisgar a vermelha. Na expedição é assim. Quando os pesquisadores ouvem falar de um bom ponto, lá vai o caminhão e toda a tralha. Seguimos adiante.
Algumas Vermelhas ainda pequenas aparecem, mostrando que a razão para o nome está na cor do rabo. Estamos pescando com isca artificial, vara boa e carretilha. Para os pesquisadores, não importa muito o tamanho do peixe. Tamanho aqui não é documento. Mesmo que a Vermelha seja pequena, para o banco genético o exemplar é que conta. Cada pescador fica com uma isca pra fechar o cerco.
A produção, porém, não agradou muito. Apareceram outros peixes no estoque, mas não o suficiente, o que mostra um sério problema. "Se ela está na lista das espécies em extinção, alguma coisa está acontecendo (...). É a somatória de desequilíbrios”, explica Paulo Ceccarelli. “Essas espécies mais sensíveis servem como indicador de qualidade ambiental”. Neste ritmo, os rios que viram uma espécie nascer, aos poucos, assistem à morte anunciada da Vermelha.
Último recurso 
Uma semana de trabalho e pouco descanso na procura incessante pela Brycon vermelha. As armas da Ciência são a vara de pesca e as iscas. Mas como toda espécie ameaçada de extinção, ela não se mostra com facilidade.
Os pesquisadores têm que radicalizar na técnica de captura, num esforço de preservação. José Augusto Senhorini, chefe de divisão de pesquisa do CEPTA, explica a nova estratégia: “Nós vamos usar hoje uma técnica agressiva que é a pesca com rede e tarrafa”. Vale ressaltar que esta técnica somente será utilizada porque se trata de uma pesquisa e os exemplares capturados serão de uso exclusivo para ela. Na pesca amadora e esportiva, a prática é proibida.
A autorização especial de captura, porém, não significa facilidade no trabalho. Os pesquisadores têm que se jogar na água e fazer barulho para tirar os peixes da galhada. Tem que “desentocar o bicho”, como dizem os ribeirinhos. E o rio que parecia ter poucos peixes, surpreende. Na primeira tarrafada: três piabanhas, um curimbatá e um piau.
Porém, as batidas seguintes confirmam: encontrar a vermelha está mesmo complicado. Um dia inteiro dentro d’água, redes e tarrafas em cada curva e cantinho do rio. E a decepção de quem já pesca há mais de trinta anos e nunca voltou para casa sem cumprir a missão. A sabedoria reafirma o que se vê: o Vale do Mucuri pede socorro!
Triste realidade
A vida selvagem escassa na região perde espaço para os fora-da-lei. O desrespeito e as propriedades rurais dominam um cenário que, no passado, era tomado pela mata ciliar. Hoje, as fazendas sem cercas nem precisam mais de bebedouro. O gado tem água à disposição ali bem perto e à vontade. O custo para o meio ambiente, porém, é absurdo. A natureza agoniza.
Paulo César Tomich, técnico do Instituto Estadual de Florestas (IEF) em Minas Gerais, adverte que as consequências de um barramento sempre são sérias. “Tem que ser feito um trabalho. O barramento vai atrapalhar o habitat natural dela. Vamos lutar para que ela não entre em extinção”, comenta ao falar da vermelha. O cenário é de contrastes: beleza misturada à destruição. As chances são poucas, mas a lição ensina que, apesar das dificuldades, é preciso insistir.
Ainda não tínhamos fisgado uma bela Vermelha. E atrás dela vencemos barrancos, pedras e até a força da água. Não medimos esforços. Chegamos em silêncio perto de um poço e saímos de lá com a certeza de que a espera valeu a pena.
Exuberância vermelha
Quando menos se esperava, fisgamos uma Vermelha pequenina e apressada ao voltar pra casa. Sente-se ameaçada. Eu e o pescador esportivo Sidnei Martins procuramos pelo nosso prêmio, uma fisgada que seja. Estávamos animados, mas o técnico ambiental, Paulo César, tinha marcado um encontro exclusivo com as vermelhas. No entanto, elas não se entregariam com facilidade. Não demorou muito para ele vencer o duelo.
Foi uma espera angustiante até o contato bem de perto. A Vermelha, enfim, mostrou-se exuberante. Dos dentes fortes de carnívoro à coloração única. Enquanto pescávamos no Mucuri, a equipe de pesquisadores preparava a última ação no rio Pam Pam.
Voltamos a tempo de acompanhar tudo. Muito cuidado e paciência ao passar a rede pra não machucar nenhum peixe. Água da própria lagoa pra retirar a maior Vermelha que eles conseguiram. A preocupação é tanta que não conseguimos nem mostrá-la direito. Um tranqüilizante e o material genético é colhido imediatamente. “Isso vai nos dar a taxonomia. Se ela é um Brycon e qual o parentesco com os outros brycons, piracanjuba, piabanha”, explica José.
Já em segurança, no caminhão-tanque, a alegria é nítida. “Esse daqui é o que precisávamos: um reprodutor”, comenta o pesquisador Paulo. A nossa chance de ver de perto uma espécie tão rara durou poucos segundos. Mas a exibição da vermelha está agora eternizada assim como a história genética da espécie.
No Vale do Mucuri passamos dez dias procurando um peixe ameaçado pela ganância do homem, que parece não conhecer limites. Encontramos a Vermelha, mas o trabalho não termina por aí. É preciso também resgatar a consciência dos moradores e visitantes da região.
Despedimos das Minas Gerais, com o anúncio de uma tempestade e um colorido no céu. Ah! Se dizem que ao final de todo arco-íris existe um pote de ouro, que a grande descoberta por aqui se chame esperança de vida, na salvação desta preciosidade de peixe. Porque no Vale do Mucuri, a jóia rara tem outra cor, outro nome. É a Brycon vermelha ou, simplesmente, Vermelha. 
Agradecimentos 
Ao Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA), um órgão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO).


3 comentários:

  1. Show de bola... Conheço o homem citado juliano, meu amigo e sou um pescador apaixonado pelo rio pampam, tbm nunca fisguei uma grande vermelha, todas são de pequeno porte e solto todas.
    Estou muito feliz em ver este documentário, na época meus amigo Juliano e Paulo Sérgio, até me falaram dessa expedição, parabéns e obrigado, sou morador de Carlos chagas, pescador do Rio pampam.

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  2. Show de bola... Conheço o homem citado juliano, meu amigo e sou um pescador apaixonado pelo rio pampam, tbm nunca fisguei uma grande vermelha, todas são de pequeno porte e solto todas.
    Estou muito feliz em ver este documentário, na época meus amigo Juliano e Paulo Sérgio, até me falaram dessa expedição, parabéns e obrigado, sou morador de Carlos chagas, pescador do Rio pampam.

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    1. Que bom que você gostou, Vinicius! Também sou de Carlos Chagas e lamento muito o triste fim que está levando a "Vermelha", que é endêmica da região e está sendo extinta, pela pesca predatória e sem controle, além, é claro, da destruição dos nossos rios Mucuri, Pampam e outros.

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